

Desafios do setor eolico para ganhar competitividade
29/09/2020
Em pouco mais de uma década, a fonte eólica teve um salto significativo na matriz elétrica brasileira, atingindo 16 gigawatts (GW) de capacidade instalada. Para o setor, a missão agora é mostrar o quanto a energia oriunda da força dos ventos é capaz de atender de forma segura e eficiente à tão esperada retomada do crescimento econômico brasileiro. Para isso, é preciso entender quais ações agentes do setor deverão tomar para modernizar os parques a fim de ganhar mais competitividade frente à demanda que virá cedo ou tarde.
Debatemos o tema com três especialistas que atuam em campos diferentes do segmento, o que nos permite dar um olhar completo sobre os desafios para o setor eólico nacional. São eles: Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeólica); Mario González, professor dos programas de pós-graduação em Engenharia de Produção e em Ciências e Engenharia do Petróleo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); e Darlan Santos, diretor-presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne).
ENTREVISTA 1 – ELBIA GANNOUM
A energia eólica era praticamente insignificante há dez anos na matriz elétrica do Brasil e, hoje, responde por mais de 16 GW de potência instalada. Quais as perspectivas para os próximos anos?
Elbia Gannoum: De fato, é uma trajetória virtuosa de crescimento sustentável no Brasil, compatível com o desenvolvimento de uma indústria que foi criada praticamente do zero, o que foi o grande desafio no período. Há dez anos, tínhamos pouco mais de 0,6 GW instalados e estamos chegando neste primeiro semestre de 2020 a 16 GW em mais de 600 parques e 7,5 mil aerogeradores em operação. De 2011 a 2019, o investimento no setor foi de US$ 31,3 bilhões, segundo dados da Bloomberg New Energy Finance. Até 2024 teremos, pelo menos, 24 GW de capacidade instalada. Digo pelo menos porque esse valor contém apenas as quantidades dos leilões já realizados no mercado regulado. O mercado livre vem crescendo muito e impacta nessas previsões, aumentando esse montante. Em 2018 e 2019, por exemplo, o setor fechou mais contratos no mercado livre do que no regulado, pela primeira vez.
No caso do Brasil, podemos dizer que o potencial eólico atual é mais de três vezes a necessidade de energia do país. Hoje, somando todas as fontes de energia, a capacidade instalada do Brasil é superior a 160 GW. De potencial eólico, temos estimados cerca de 800 GW. Isso não significa que o Brasil poderia ser inteiramente abastecido por energia eólica. Há que se considerar algo muito importante: a matriz de geração de eletricidade de um país deve ser diversificada entre as demais fontes de geração, e sua expansão tende a se dar por meio de fontes renováveis, entre as quais está a eólica. Do lado da energia oriunda da força dos ventos, o que podemos dizer é que a escolha de sua contratação faz sentido do ponto de vista técnico, social, ambiental e econômico, já que tem sido a mais competitiva nos últimos leilões.
A pandemia e a consequente quarentena social imposta afetaram obras de infraestrutura do setor eólico?
Elbia Gannoum: No que se refere a pedidos para as empresas da cadeia produtiva, não há impactos. É importante entender que as fábricas estão produzindo hoje aerogeradores, pás e torres eólicas para parques que são fruto de leilões realizados ou contratos no mercado livre nos anos anteriores, para entregas nos próximos anos. Produzir equipamentos para o setor eólico é um negócio de longo prazo. Considerando que cerca de 80% de um aerogerador é conteúdo local, o impacto de eventuais dificuldades de importação é reduzido, mas alguns elos da cadeia que dependem de materiais importados podem se fragilizar e causar atraso em linhas de montagem. Não temos uma avaliação profunda disso nesse momento, porque as decisões de quais materiais são importados e quais não são dependem de cada empresa. Ainda assim, não soubemos até o momento de nenhum caso crítico que tenha levado a uma completa paralisação por falta de insumos.
O setor eólico é muito vinculado à alta tecnologia de geração de energia. Como empresas brasileiras estão acompanhando os avanços do setor?
Elbia Gannoum: Tecnologia é o centro do nosso negócio, e a transformação energética só é possível por causa da evolução tecnológica, que permitiu que a geração por meio de renováveis chegasse a preços competitivos. Estamos, portanto, sempre olhando para esse fator. No horizonte temos parques eólicos offshore, parques híbridos, baterias e geração de eletricidade por meio de hidrogênio, entre outras questões.
ENTREVISTA 2 – MARIO GONZÁLEZ
A fonte eólica tem se demonstrado bastante competitiva no mercado brasileiro. Quais os principais temas que precisam continuar em pauta para esse sucesso continuar?
Mario González: Considero três assuntos como fundamentais. O primeiro é foco na economia do baixo carbono. O Brasil, que tem uma variedade de fontes de energia renovável, entre elas a eólica, deveria definir metas estratégicas para alcançar uma economia de baixo carbono. Segundo, a institucionalização do investimento em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) para o desenvolvimento tecnológico de componentes de acordo com as características meteorológicas e geográficas do Brasil. As experiências passada e presente vêm do setor de petróleo e gás, no qual, devido à institucionalização de atividades de P&D, o Brasil se tornou uma referência mundial em tecnologia marítima para esse fim. Terceiro, relacionar a expansão da fonte eólica ao desenvolvimento sustentável. Estudos sobre o potencial eólico do Brasil, onshore e offshore, apontam que os maiores potenciais se encontram em regiões que têm o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio do país. Os poderes Executivos e Legislativos devem considerar essa realidade como oportunidade para elaborar políticas públicas que deem maior ênfase a essa inter-relação.
Em relação à mão de obra especializada no setor, qual o desafio?
Mario González: Nos anos 2010, houve dificuldades em encontrar mão de obra qualificada, especificamente nas etapas iniciais do ciclo de vida de um projeto eólico, como projetistas, instaladores e operadores. Isso foi superado nos últimos anos. Na atualidade, a maior dificuldade está relacionada a engenheiros que ocupam cargo de gerentes de Operação e de Manutenção, que, além de ter o conhecimento técnico, necessitam de conhecimento gerencial e habilidades de liderança. Outra dificuldade está ligada a carência de especialistas em operação e manutenção que conheçam princípios de inteligência artificial e IoT (sigla em inglês para Internet das Coisas) para atividades de manutenção preditiva.
O que pode ser feito para elevar ainda mais a competitividade da fonte eólica?
Mario González: O principal fator que tornou competitivo o setor eólico onshore no Brasil foi a qualidade do vento (relacionado à velocidade, direção e constância), especialmente na região Nordeste. O fator de capacidade médio em 2019 foi em torno de 43%. A China, por exemplo, teve média anual de 19%. Mais ainda, no ambiente offshore brasileiro, essa média anual, de acordo com estudos da UFRN/Creation Research Group e da EPE, é superior a 60% na costa nordestina. Quando comparamos novamente com a China, o fator de capacidade médio foi de 29%. Considerando o retorno de investimento nos projetos, de forma simplificada, como receitas menos os custos, a contribuição da qualidade do vento para as receitas já se têm. O que recomendo para os proprietários dos parques eólicos em operação é conduzir projetos de P&D em temas relacionados a aprimoramento ou desenvolvimento de técnicas de previsão para um aumento de disponibilidade das máquinas para operação; buscar um ponto de equilibro entre os custos de manutenção preditiva e corretiva; e inserção em novas formas de busca e contratação de fornecedores, como, por exemplo, o e-commerce.
ENTREVISTA 3 – DARLAN SANTOS
Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) apontam que a maior parte dos empregos em renováveis acontecerá no Brasil. Estamos formando mão de obra adequada para acompanhar esse contexto?
Darlan Santos: Historicamente, um dos maiores desafios da relação entre academia e mercado de trabalho, não só em relação ao setor energético, tem sido a manutenção da sincronicidade relacionada à formação de mão de obra para garantir que as demandas dos segmentos produtivos sejam atendidas pelas instituições de ensino. Um dos papéis mais importantes do Cerne tem sido justamente garantir a existência de uma conexão entre esses dois mundos para parear os momentos. Por meio de um Conselho Técnico Científico, estamos colocando na mesma mesa representantes de empresas do setor energético e das maiores universidades do país. Dessa forma, um lado se mantém atualizado sobre as ações que o outro desenvolve, estabelecendo uma espécie de agenda conjunta para o aumento dos índices de formação de mão de obra adequada à realidade das demandas atual e futura.
Embora o maior número de vagas ocorra na fase de construção dos parques, nessa etapa o trabalho é voltado para a engenharia de grande porte, que já domina a construção de empreendimentos dessa envergadura. A partir da montagem dos aerogeradores é que realmente a tecnologia de ponta passa a ser fundamental. Especialmente após a entrada em funcionamento, essas plantas contam com elevado nível de automação e passam a ter a operação controlada remotamente, demandando mão de obra especializada. Atualmente, o país já dispõe de uma ampla gama de profissionais especializados, que encontram capacitação em cursos técnicos e especializações oferecidos por universidades públicas e privadas, bem como por instituições como o Senai, além da oferta de cursos livres.
O mercado de energia enfrenta um grande desafio: a necessidade da entrega de soluções mais eficazes com o menor custo de energia. O setor eólico implantado no Brasil já consegue superá-lo?
Darlan Santos: O setor eólico surpreendeu o mercado com o nível de competição a partir dos valores de MWh apresentados nos leilões dos últimos anos, tornando-se uma das fontes mais competitivas no país. Isso só foi possível a partir do desenvolvimento de uma cadeia produtiva, desenvolvimento tecnológico e uma regulação que estabeleceu um ambiente de negócios atrativo ao seu desenvolvimento. Atenta-se também a migração de parte dos projetos para o mercado livre, indicando que, nesse mercado, a energia eólica também se tornou competitiva frente a outras fontes. Nesse contexto, a fonte eólica possibilitou a país uma geração de grande porte, descentralizada, com capacidade de rápida execução e com modicidade tarifária.
Com a pandemia e a drástica diminuição da atividade econômica em 2020, a demanda por mão de obra no setor eólico continuará alta?
Darlan Santos: A energia eólica encontra-se alinhada à Indústria 4.0, sendo caracterizada por elevada automação e controle remoto. Nesse contexto, grande parte da mão de obra é destinada à fase da construção dos projetos, enquanto uma reduzida equipe é capaz de manter a geração na etapa de Operação e Manutenção. A pandemia impactou diretamente os projetos em instalação nesse período, ao ponto de a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabelecer a possibilidade do ajuste dos cronogramas de instalação. No entanto, espera-se que o impacto causado seja momentâneo, experimentando uma normalização após esse período. Atenta-se que não há alternativa, na fase de construção, ao uso de grande número de pessoas, como observado em obras de engenharia de grande porte.
Além disso, a demanda por mão de obra deverá se manter alta a fim de manter a execução dos projetos já contratados nos últimos leilões de energia.
